sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Do (mal) juízo.

É inacreditável como conversas trazem insights. Às vezes, pontos obscuros de textos são trazidos à luz por um comentário fortuito feito numa conversa em tardes sem importância. Se isso é verdade em relação aos mais diversos assuntos - aprendi mais matemática desenhando que elaborando fórmulas, e mais biologia na herbologia da Arte que na escola - isso se torna inegável com o Tarô. Inegável. 
Conversava com a Zoe sobre a minha dificuldade com o Arcano Maior XX. O Julgamento, o Juízo Final, e, mais recentemente chamado Æon, é uma carta de conteúdo obscuro para além do óbvio. Estamos diante de um conteúdo cristão por excelência, talvez até mais cristão que o Arcano V. Se o Arcano V representa uma personalidade, o XX representa um evento


A Justiça
Tarocchi del Rinascimento (Giorgio Trevisan)

Ok, ok. Deveríamos comparar, na verdade, o Arcano XX com o VIII, diriam alguns. Mas a Justiça é uma ideia pré-cristã alçada ao status de virtude cardeal, e Ajustamento é uma adequação terminológica, não simbólica. É só reparar em duas questões: 
  1. A variabilidade da imagem d'A Justiça é mínima, talvez a menor dentre os Arcanos; 
  2. Até mesmo um leigo na Arte pode tecer considerações sobre essa imagem, e sobre seus atributos e símbolos, dado termos até hoje essa imagem representando os advogados e a Lei. 
Já o Julgamento... Soa-me, a priori, que a chave da interpretação se dilui no potencial escatológico cristão e perde-se muito do que ele proporia. 
Assisti hoje As Bruxas de Salem (The Crucible, 1996). Odiei. Não o filme em si, que é muito bom; justamente por isso, me inspira o que há de mais nobre: o asco pela mentira. E isso é odioso. (Confira um resumo do evento histórico que deu origem ao filme aqui.)



Princesa de Espadas / Abigail Williams (interpretada por Winona Ryder)
Thoth Tarot

Abigayl Williams (Winona Ryder, impecável). Assassina fria e cruel, dotada de uma arma pior que paus, pedras, adagas, punhais, revólveres e bombas atômicas: snaketongue. Sua língua bífida é capaz de voltar-se contra tudo e todos que a ameacem, com uma certeza no tom que beira a santidade. Maldita Princesa de Espadas, entregaria a mãe para obter o que deseja, ainda que o medo que a descubram em suas mentiras seja mais poderoso que a capacidade de obter vantagens.


Danforth e sua visão equivocada.
Rei de Espadas, Waite-Smith Tarot (detalhe)


Mas não é ela que me irrita, de fato; é o Juiz Thomas Danforth (Paul Scofield). Como pode ser tão parcial. Tão crédulo; ainda que seja parcial até mesmo em sua credulidade. Rei de Espadas mal aspectado. Invertido até para quem não usa cartas invertidas. Matar dezenove pessoas foi-lhe simples, até o momento deixou de ser irrisório pensar sobre o assunto. 
Quando um Rei de Espadas nega sua faculdade principal, o resultado não pode ser outro que não o desastre.
E daí vamos ao Julgamento.


O Parecer, Tarocchi del Rinascimento (Giorgio Trevisan)
O Julgamento de Salem


Como disse anteriormente, o Julgamento é um evento. Talvez, dissecando-o, percebamos outros detalhes sobre sua possibilidade divinatória.
Todo julgamento é um chamado. A Justiça é cega e age por meios misteriosos; o Julgamento não; as regras devem ser claras, ainda que falsas. Só se julga na presença do réu. Existem práticas, métodos para que haja clareza na sentença, sendo esta compreendida tanto pelo réu quanto pelos presentes. 
Acho curioso, nesse sentido, que cada vez mais nos especializamos na compreensão da infraestrutura dos julgamentos, ainda que não entendamos (quase) nada de Direito. Seriados pululam por aí. Para quem, como eu, está dez anos atrasado no cinema (correndo atrás do prejuízo a olhos vistos), resta (re)assistir Filadélfia e o Advogado do Diabo. E prestar atenção às sugestões dos leitores, rs.  
E daí a segunda questão: um Julgamento tem testemunhas. Tem presentes, expectadores, que estão na cômoda posição de terceira pessoa. Não, não, você está enganado. Não existem testemunhas na imagem, você deve estar pensando. Todos os presentes na clássica cena são participantes. 
E eu te respondo, com outra pergunta: qual é o seu papel diante das cartas, senão testemunha de um evento? 


Tarô de Nostradamus


A cena ocorre, mas é você quem observa, quem interpreta em condição cômoda de alheio à cena (a menos, evidentemente, que você seja o consulente e tema da presença do referido Arcano). É você quem julga a relação entre os presentes na cena e a situação-tema da consulta.
Terceira questão: há a presença de advogados e promotores. Há quem acuse, há quem defenda. Não existe Julgamento no Arcano VIII. Não existem testemunhas, advogados ou promotores por lá. Só causa e consequência, que são efeitos de outras causas e decorrência de outras consequências.








Mesmo que sejam imaginários, eles estão ali. Guiando, norteando, degladiando. O que aponta para outra questão própria d'O Julgamento: seu caráter maniqueísta. Aqui existe bem x mal, seja lá o que isso signifique - se todas as religiões escatológicas estiverem corretas no que concerne à ideia de salvação, eu realmente não sei como é que tanta gente certa pode ser tão discrepante quanto aos mesmos pontos.


Se eles estão desesperados... quem poderá nos defender? rs...


Por essas e outras esse Arcano me deixava pensando tanto. Como tais referenciais prévios poderiam ser disassociados dos seus aspectos mais obscuros, parciais, sectaristas e ainda manter a sua homogeneidade ideológica? Como o símbolo pode ser lido na sua acepção contemporânea sem perder sua proposta original?
Para isso, precisamos ver como ele tem sido representado nos Tarôs transculturais, já que os símbolos clássicos já foram previa e devidamente interpretados por Ricardo Pereira.
Mas isso já é outra história, para outro post.
Abraços a todos.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Princesa de Copas.

Pessoal, participei de um concurso de desenho proposto pela USGames Brasil e, sinceramente, assumo que foi um desafio e tanto. Mas, diante do desafio, percebi o quanto os Arcanos se integram à gente, ao ponto de serem como Auguste Gusteau para o ratinho Rémy. 



Parte de nós sendo à parte de nós.

Desenhar essa carta foi um desafio de compreensão. Engraçado que, quando vi a proposta, já pensei de cara no Ás de Copas; fui estudando alguns baralhos, procurando referências ao naipe e representações anteriores (afinal de contas eu não sou artista, sou historiador da arte...) e comecei a desenhar. O desenho não me dava sossego; lá ia e madrugada adentro desenhando espirais no papel e nos sonhos. Quando o Ás virou Princesa eu não sei, só sei que foi assim.
E Ela me acompanhou uma noite inteira até ficar pronta. A Artista, pois é o que Ela É, me deu trabalho, porque ora posava de um jeito, hora se ajeitava pedindo revisão. E lá ia eu ter que modificar os meus planos, já que os planos eram Dela. E eu, de escriba, virei desenhista. Lá vamos nós.


Princesa de Copas

Explicando a imagem. Princesa normalmente é correlacionada à Sephira Malkuth, o Reino, enquanto o Ás é correlacionado a Kether, a Coroa. A Coroa emblematiza aquele que representa o Reino. E aqui o Ás está seguro, sustentado, melhor dizendo, pela mulher nua que se inebria com seus influxos. Como pedra em um lago, as ondas ressonantes partem da vesica piscis central rumo ao alto e além. Apesar de ser a Solidez da Água, aqui vemos insetos alados se aproximando da Luz que emana do cálice – um primeiro passo para o Arcano seguinte. Uma gota d’água cai do cálice em cachoeira, como diz a música do Coldplay: every teardrop is a waterfall, ou a clássica Cry me a river.
A Princesa é chorona. Mas, justamente por isso, não sobram resíduos em sua alma. Ela representa o outono, estação em que as folhas caem, apodrecem, e são reaproveitadas pela mesma árvore que as deixou cair. Nada se perde, e o resíduo se vai. Sua alma é limpa, porque o excesso sai pelos olhos. Já a experiência... fica.
Não possui rosto porque não é expressiva, é impressiva. Ela se volta para dentro, e dentro encontra seu tesouro. Então, por que seu rosto está voltado para a taça? Estaria a taça fora... ou fora é aforismo de dentro?
Seu cabelo é evanescente, iridescente, como seus chackras. Sua beleza externa sempre será um reflexo da própria riqueza interna. Evidentemente, o oposto é verdadeiro; a Princesa de Copas não tem máscaras. Ela não precisa, mesmo que precise.
Conversando com a Claudia Mello e com o Janus, eles viram na imagem identificações com Oxumaré, o Orixá do Arco-Íris. Inicialmente não me passou pela cabeça mas, não é que existe razão de ser? A imagem se amplia, não se restringindo à proposta de quem a desenvolve, mas à experiência de quem observa.
Desenhar essa carta e entrar em contato com sua natureza me colocou diante dos primeiros lampejos de criatividade satisfatória – sendo que satisfação é o óbulo que se paga à Alma pela oportunidade de agir. E eu realmente estou satisfeito com os primeiros influxos que essa carta me trouxe, de refletir sobre o conteúdo dos Arcanos desenhando-os com todos os materiais disponíveis (pelo menos por ora - lápis de cor, têmpera e nanquim).
Eu preciso agradecer, particularmente, a uma pessoa por essa imagem. Sarah Helena, uma artista e tarófila (em sua própria definição), pelos dois cursos dos quais participei. Uma Força e uma Torre brotaram em sala e, da técnica obtida, vejo que outros virão. Obrigado.





Bem, e, evidentemente, devo agradecer à USGames Brasil pela oportunidade de participar e pelo segundo lugar que eu obtive. Com isso, fui premiado com um Thousand and One Nights Tarot, um baralho magnífico, desenvolvido por Leon Carré. Já até encomendei os volumes para estudá-lo à luz dos contos de Sherazade. 


Conte-me uma história, Sherazade.
Até termos 78 histórias para contar.


Sugiro aos amantes do Tarô que adicionem seu perfil. São sorteados baralhos sempre que o grupo atinge determinada cota de membros, promoções-relâmpago (concorra a um baralho respondendo corretamente uma pergunta) e concursos como este. 


Em breve, novidades sobre esse baralho que, sem nenhuma novidade, é lindo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Resultado da promoção: Ganhe uma consulta com o Dragons Tarot

Dez de Copas
Dragão Imperial da Água
Dragons Tarot

Olá pessoal. Ganhar um oráculo, para mim, sempre é uma responsabilidade. Existe algo nas cartas que me chegam que demanda cuidado, geração, comprometimento e entrega. É um novo mundo dentro de um universo que me é familiar.
Ser privilegiado num sorteio tem lá seus caminhos e descaminhos. Esse baralho veio como uma dádiva, abriu um horizonte interpretativo aqui no Conversas Cartomânticas, ampliou, inclusive, minha percepção de outros oráculos. O Dragons Tarot, não canso de dizer, é uma pesquisa séria, dentro do âmbito dos baralhos transculturais, produzido com uma iconografia magnífica, e cada carta corresponde a uma experiência particular de estudo e integração mitológica. Parece exagero né? Mas é fato. Pelo menos para mim.
E, como dádiva boa é dádiva compartilhada, compartilharei, com o ganhador dessa promoção, a visão desse baralho com o objetivo de perscrutar o porvir. Vamos divinar.

Infanta de Ouros
Kukulkan protege a criança.
Dragons Tarot

Por ordem de postagem, os participantes são:

 1. Iony
 2. Isabel
 3. Lilian
 4. Tamires
 5. Patricia F
 6. Lucia
 7. ang.crist
 8. Bárbara M
 9. Marcia
10. Danielli
11. Poliana
12. Gizelda
13. Luciana O
14. Sonia
15. Patricia C
16. Edy
17. Luciane
18. Barbara G
19. Flávio
20. Josie
21. Francine
22. Flávia
23. Luciana G
24. Carlos
25. Paula
26. Juliana
27. Daniela
28. Amanda
29. Rhadra
30. Ana Karla
31. Carolina
32. Hélita
33. Igor
34. Ana Cláudia

Sol
Ládon e as maçãs das Hespérides
Dragons Tarot

... E o sorteado é...

Bárbara Mançanares!
Parabéns!
Favor entrar em contato para podermos marcar seu horário.

Hierofante
Leviatã
Dragons Tarot


Aos demais, minha gratidão pela participação e aguardem novas promoções. Fim de ano pede, não é? 
Preparemo-nos para o Ano do Hierofante...
Abraços a todos!

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Cartas encardidas e seus conselhos alvejantes

Olá pessoal. Acabei de ler o texto da Pietra sobre as cartas encardidas* em posição de aconselhamento. Fiquei pensando sobre minha própria experiência com as referidas. Afinal de contas, uma coisa é interpretar uma carta para outrem – por mais compaixão que se sinta, ali não deve haver sentimentalismo que impeça a plena compreensão do contexto pelo maior interessado, o próprio consulente. As cartas devem ser lidas como se apresentam. Mas... e quando o mesmo ocorre em relação a nós mesmos, seja em jogos particulares, seja em consultas das quais sejamos consulentes?
Não vou mentir. É um saco.


Valete de Espadas
Marseille Grimauld

Por maior que seja a imparcialidade com a qual você trata seu oráculo, quando você vê um dos cincos ali, em evidência, ou o Pajem de Espadas, ou a Torre, entre outras... Dá um gelinho sim, na espinha. Por um micromilésimo de segundo, perpassa a mente: “eu podia ter ficado sem essa...”. E é o segundo seguinte que definirá tudo na sua leitura. Ou você aceita o que viu, pestanejando, mas já planejando os próximos passos, ou olha bem para a carta com as lentes cor-de-rosa que se plasmaram imediatamente nos seus olhos e diz: “não, essa carta pode significar tantas coisas, por que seria algo ruim justo dessa vez?”


Happy Squirrel
Simpsons

Voltamos aqui à experiência lá dos Simpsons. Parece-me conveniente que, por vezes, nos enganemos, justamente nos aspectos que nos desagradariam mais. O chato é que esse não é o caso. Quando vemos e interpretamos, sim, a primeira impressão é a que fica. Quando interpretam para a gente, também.
Eu tive a experiência de jogar Tarô com uma garotinha de doze anos, mais ou menos. Ela só via desgraça. Deus me livre! Até na Imperatriz, no Sol (ela jogava só com os Maiores, não sei se ainda joga só com eles) ela conseguia ver, com precisão, o pior lado da carta. Demorou para eu entender como deveria levar a leitura. Ela tinha mais a oferecer que eu poderia perceber, a priori.
Ela me fez ver certas cartas como realmente são. Não tão boas. Evidentemente, não tão ruins como ela via. Mas para isso serve o filtro mental - a ideia do oráculo é levar o consulente a pensar, não a obedecer.
E aí, em contrapartida, acabei aprendendo um pouco mais sobre as encardidas. Elas não são desejáveis, fato; mas elas são necessárias. Necessárias como aquele "não" que você diz ao seu colega que não sabe que você parou de fumar e lhe oferece um cigarro. Evidentemente, é só um cigarro... que pode tornar-se bem mais que um maço por você ter quebrado seu juramento de não mais fumar. Acrescente à essa lista as vezes em que quebrou um regime, furou uma fila, omitiu sua opinião sincera, mentiu. 
Por melhores que fossem suas intenções, por menores que fossem os danos, você fez companhia ao incomensurável número de almas boas de comportamento ruim que fizeram residência no cortiço infernal. E isso não é bom.


Apego ao Passado
Cinco de Água/Copas
Osho Zen Tarot


E por isso as encardidas. Elas são o "não" da nossa consciência superior ao caminho mais fácil, porém, menos favorável. Elas são o "não" da nossa consciência ao investimento errôneo de nossos esforços. Elas são a consequência, no limite, de nossos atos menos nobres.
O interessante é perceber que a maior parte delas revela padrões mentais inadequados.  Medo lidera o ranking. Em segundo lugar, pesar e arrependimento. Seguem-se a eles raiva, insegurança, pesadelos, maledicência, crueldade, sadismo, masoquismo. A lista é enorme, mas não é infinita.
Existem estudos interessantíssimos sobre os aspectos sombrios dos Arcanos e evidentemente, sobre as encardidas. Tenho me dedicado a esse tema com certo vagar, porque, apesar do Diabo não ser tão feio quanto lhe pintam, nem é tão bonito quanto acreditamos que seja. E no limite entre o pessimismo e o otimismo pueril existe um oceano de possibilidades que deve ser singrado com cuidado.


Mente
Valete de Espadas
Osho Zen Tarot


Mas, na leitura, aceitar o conselho alvejante - que elimina toda mancha mental, toda a lixeira que costumamos manter quando as expectativas não correspondem ao esperado - é realmente libertador. Mesmo que dolorido.
Abraços a todos.


Cartas encardidas: cartas desagradáveis, indesejadas, complicadas de vivenciar. Quando disse isso pela primeira vez foi crise de riso geral...

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Das Serpentes.


Depois da blogagem sobre dragões, precisava complementar a análise iconográfica com suas contrapartes “reais”.  Quanto mais eu leio sobre a Serpente, mais a vejo imiscuída à ideia de Dragão; é muito complexo tentar separar onde um simbolismo termina e onde o outro começa. Paradoxalmente ao fato de termos encontrado quatro baralhos relativos somente a Dragões, não existe, ou pelo menos eu não encontrei, nenhum baralho dedicado exclusivamente às serpentes. Como símbolo, ela transcende a forma e se revela una enquanto múltipla.


Das relações entre Dragões e Serpentes.
Mais claro, impossível.

A serpente não apresenta, portanto, um arquétipo, mas um complexo de arquétipos ligado à noite fria, pegajosa e subterrânea das origens. 
(CHEVALIER E GHEERBRANT: 2009, 815)
Este é um dos casos em que se pode confiar nas aparências. Se você encontrar uma cobra da espécie 'Atheris hispida', é melhor correr: sua picada pode ser mortal. As escamas pontudas e os olhos enormes ajudam a serpente de 70 centímetros a ficar assustadora. Ela vive em florestas africanas. 

A serpente, conforme O Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, é à parte, tanto quanto o homem, das demais espécies animais. Só que ao contrário
“Se o homem está situado no final de um longo processo genético, também será preciso situar essa criatura fria, sem patas, sem pêlos, sem plumas, no início desse mesmo esforço. Nesse sentido, Homem e Serpente são opostos, complementares, Rivais.” (idem, 814, grifo do autor)
Flóra Borsi

A serpente é um símbolo fálico relacionado sobremaneira com o feminino. “Ela brinca com os sexos como com os opostos; é fêmea e macho; gêmea em si mesma, como tantos deuses criadores que em suas primeiras representações sempre aparecem como serpentes cósmicas. (idem, 815, grifo do autor). E o autor continua: “Mencionamos a ambivalência sexual da serpente. Essa se traduz, sob esse aspecto do seu simbolismo, pelo fato de ser ao mesmo tempo matriz e falo” (idem, 822).
A sinuosidade da dança lhe pertence.




A adivinhação, em suas duas acepções, dionisíaca (êxtases) e apolínea (interpretações dos sinais) são características da Serpente. (idem, 820)


Para os Iorubá, a Serpente é Oxumaré, aquele que une o que está acima ao que está abaixo, que surge depois das chuvas e envolve o mundo; ele refresca o palácio de Xangô com as águas cá da Terra, num processo diverso daquele pluvial. “O arco-íris é uma serpente que mata a sede no mar”. (idem, 817)



Ainda que tenha sido demonizada pelo Cristianismo, a serpente possui ainda seu lugar simbólico ambivalente no Antigo Testamento: em Números 21, 8-9, Deus ordena a Moisés:
“’Faze para ti uma cobra ardente e coloca-a numa haste de sinal. E terá de acontecer que, quando alguém for mordido, então deve olhar para ela e assim terá de ficar vivo.’ Moisés fez imediatamente uma serpente de cobre e a colocou numa haste de sinal; e acontecia que, quando alguma serpente mordia um homem e ele fitava os olhos na serpente de cobre, então ficava vivo.”
Contudo, a forma da serpente mais conhecida é a do Gênesis (3,1): “A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha formado.” No mesmo capítulo, versículo 14, Deus a amaldiçoa: “Porque fizeste isso [convencer a mulher a comer do fruto proibido], serás maldita entre todos os animais e feras dos campos; andarás de rastos sobre o teu ventre e comerás o pó todos os dias de tua vida.” E no Apocalipse (12, 9): “Foi então precipitado o grande Dragão, a primitiva Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado na terra, e com ele os seus anjos.” (grifo nosso). Percebamos que no primeiro e no último livro da Bíblia o simbolismo é evidente. E que o Grande Dragão partilha do simbolismo ctônico da primitiva serpente.

A Morte
Dragons Tarot
São Jorge enfrenta o Dragão

E nesse contexto maniqueísta outras manifestações se apresentam: São Miguel, São Jorge. O Mal subjugado pelo Bem. 
Mas, o dicionário de símbolos postula: 
Apesar de séculos de ensinamento oficial obstinado em mutilar a sua polivalência, veremos que a serpente permanece senhor da dialética vital, o ancestral mítico, o herói civilizador, o dom-juam mestre das mulheres e, assim o pai de todos os heróis e profetas que, como Dioniso, surgem num momento determinado da história para regenerar a humanidade. (Opus cit, 822)
Renegar a vida original e a serpente que a encarna equivale a renegar todos os valores noturnos de que ela participa e que constituem o limo do espírito. (idem, 824-25)


A Serpente
Baralho Wicca

No Baralho Wicca, Sally Morningstar (MORNINGSTAR: 2008, 90) propõe para a serpente os significados de regeneração, energia criativa em apogeu, intimidade e sexualidade. A iconografia proposta é cristã por excelência: um casal ladeia uma macieira, onde uma serpente se enrola. Uma maçã pela metade está à frente.
Se tratando de Tarô, a Serpente não está representada nos Marselheses. Em nenhuma carta desses baralhos mostra-se evidente. Ainda que...


Temperança, Marselha Grimauld
São João com a Taça Envenenada, Alonso Cano.

O líquido que a Temperança verte serpenteia entre os vasos. Serpente aquosa que rege o tempo e o infinito contido no efêmero agora. Veneno e antídoto, como o milagre de João Evangelista. Mas essa é uma interpretação poética, não literal (que, inclusive, vai encontrar mais eco no Príncipe de Copas, como veremos).
Vamos encontrar a Serpente em suas “releituras e retificações”. 

Eremita
Oswald Wirth Tarot

Na releitura de Oswald Wirth, a encontramos no Eremita – ele a empurra com o cajado; o Puro, o Virgem, que afasta o Mal que se aproxima. 

À esquerda, Tarô de Papus (1909; publicado no Brasil pela editora Ícone);
à direita, Tarô de Oswald Wirth, 1966.

Na Roda da Fortuna, a Serpente representa os perigos do Abismo (algo bem próximo do que Papus propôs, alguns anos antes - confira a comparação acima) e, falando de Papus, a mandorla do Mundo torna-se UroborusAqui, a circunferência vem completar o centro para sugerir, segundo Nicolau de Cuse, a própria ideia de Deus. (CHEVALIER & GHEERBRANT: 2009, 816)


No Waite-Smith, a serpente aparece em três Arcanos Maiores e em um Menor: Mago (o cinto), Enamorados (A Serpente Original), Roda da Fortuna (a Serpente Dragão Tífon. Surgida da ira, inveja e ciúme de Hera por ter Zeus gerado sozinho Athena) e Sete de Copas (saindo da taça).

A Morte
Thoth Tarot

O simbolismo da serpente é muito importante para Crowley. Tanto que, em seu baralho, ele a evoca vinte e três vezes. Nos Arcanos Maiores, no Mago ( á Água do cálice tem forma de serpente, há uma cobra enrolada no pé esquerdo e duas serpentes ladeiam o Caduceu que lhe encabeça), Imperador (são os ornatos de sua roupa), Hierofante (assim como no Mago, mas agora no pé direito da criança que ele tem em seu peito. Outra serpente ladeia sua cabeça, crivada por nove pregos), Enamorados (a Serpente está envolvendo o Ovo Órfico), Eremita (a mesma ideia do Ovo Órfico dos Amantes, e uma serpente de pé pronta para o ataque próxima à lâmpada), Luxúria (diversas serpentes saem do cálice, e a cauda da Besta também é uma serpente), Pendurado (Uma cobra se enrola em seu pé esquerdo, outra está enrolada abaixo de sua cabeça), Morte (envolvendo o peixe à esquerda), Diabo (no Cetro à frente), Torre (muito semelhante àquela encontrada na Luxúria, acima, à direita; No livro da Lei existe uma citação específica: No capítulo I, versículo 57, a deusa Nuit fala: “Invocai-me sob minhas estrelas! Amor é a lei, amor sob a vontade. Que os tolos não confundam o amor; pois existe amor e amor. Existe a pomba, e existe a serpente. Escolhei bem! Ele, meu profeta, escolheu, conhecendo a lei da fortaleza, e o grande mistério da Casa de Deus." [fonte])  Sol (envolvendo o monte à guisa de muro) Æon (na cabeça de Hórus Menino) Universo (nas mãos da Mulher).

Ás de Espadas
Thoth Tarot

Nos Menores, ele a evoca no Dois de Paus (a base afiada dos dorjes), CincoSeis e Sete de Paus (mesmo cetro d’O Diabo), Príncipe de Copas (saindo da Taça que ele observa), Ás e Três de Espadas (a empunhadura da Espada), Cinco de Espadas (Espada imediatamente à esquerda), Princesa de Espadas (Cabelos da Medusa no elmo) e o Dois de Ouros (a Serpente Coroada).

07. A Serpente
Petit Lenormand

Em contraposição à riqueza e complexidade simbólicas encontradas nos baralhos de Tarô, vemos a carta 07 do Petit Lenormand restrita em significação. Estamos diante de um baralho de inspiração cristã e, sendo assim, os aspectos positivos e luminosos relacionados à serpente são aqui suprimidos. Estamos diante de fofocas, intrigas, discussões vazias, inveja - sobretudo a inveja - e diversos outros aspectos condenáveis em outras pessoas. Pense em tudo aquilo que os outros fazem e que acaba por lhe incomodar. Encontramos a Serpente aí. 
É a carta da amante, da alcoviteira, daquela (ou daquele) que perto é perigoso e longe, mais perigoso ainda. Devemos manter perto dos olhos e longe do alcance.
Seria a Serpente espelho?
Acho que se ela tivesse patas, seria as fendidas de um bode... expiatório. 
Nem por isso, quero ela por perto. 
Abraços a todos.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Promoção Conversas Cartomânticas: Ganhe uma consulta com o Dragons Tarot

Imperatriz
Tiamat
Dragons Tarot

Olá pessoal. Ao ganhar meu baralho no sorteio, o pessoal da USGames Brasil sugeriu que eu ofertasse uma leitura para alguém. Eu iria oferecer uma Mandala Astrológica com o Ancient Italian, mas, pensando bem, resolvi outra coisa, que vai ser bem mais rico para o ganhador e para mim.

Sacerdotisa 
Kur
Dragons Tarot

Eu ofereço uma Cruz Celta com o Dragons Tarot. Assim, eu mergulho mais profundamente no simbolismo dessas lâminas enquanto disserto sobre o simbolismo das mesmas e as escolhas que nortearam a construção desse baralho pela Lo Scarabeo. Vamos mergulhar de cabeça na vivência desses dragões, e ver com mais vagar o que as possibilidades interpretativas desse baralho oferecem em termos de vivência.

Cavaleiro de Copas
Ambientação oriental
Dragons Tarot

Para participar, basta colocar seu nome e e-mail como comentário dessa postagem (não valerão comentários no Facebook). O sorteio será feito pelo random.org no dia 15 de novembro.

Abraços a todos.