quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Para o entendimento da carta 03 do Petit Lenormand.


Olá pessoal. A carta 03 do Petit Lenormand representa um Navio, está relacionado ao Dez de Espadas, e seu poema diz (Cartamundi, versão em inglês, tradução livre): "O navio é sempre um bom sinal / Ele anuncia, verdadeiramente, / uma jornada feliz e lucros, / e talvez uma herança para você."
Uma carta tão bonita, tão ampla, que merece uma reflexão e tanto. Espero que possamos trilhar juntos essa viagem.


Neste baralho, acima do Navio temos o avião.
Um acréscimo atributivo que auxilia na interpretação 
contemporânea dos conceitos da carta.

Para nós, homens e mulheres do século XXI, a ideia do Navio está longe de ser clara. Primeiro, porque Navios não são mais o meio de transporte intercontinental por excelência: temos os aviões, agora. Segundo, porque tudo é muito mais rápido do que costumava ser na época em que esse baralho foi feito.
Para nós, Navios correspondem a cruzeiros românticos de férias... Não mais questões prementes e imediatas a resolver. E esse é um ponto a se pensar. Você faz ideia do quão primordial foi a presença dos Navios na história do mundo? Sem Navios, talvez ainda engatinhássemos em nossas próprias culturas, confinadas em nossas próprias geografias. E um mundo desconhecido, povoado por monstros ou pelo fim do mundo, estaria . Duas letrinhas que contém tantas possibilidades..!



O Navio transporta, mas, ao contrário do Cavaleiro, o transporte aqui é por longa distância. É possível carregar mais peso, mais variedade. E mais: um Navio é uma Casa em alto-mar, o estável na instabilidade, podendo ser chamada de Lar por muitos. O Navio é o meio do caminho entre a carta 01 e a 04. Só que é um "meio do caminho" que vai além.


Recebi da Silvia Saccheto (uma querida!) o vídeo acima. Fora o fato de ter chorado de soluçar (meio difícil não acontecer), elementos interpretativos do Navio estão evidentes no vídeo. Acho bacana assistir antes de continuar a ler.



Partir. Chegar. Interlúdio entre ambos.
E nada mais é o mesmo, nem para quem vai, nem para quem fica, porque o Tempo não tira férias. Navega-se pelo Mar da Vida uma vez só. Não é algo que dê para voltar. Isso a relaciona também a questões de saúde: o corpo é o navio com o qual navegamos esse Mar de oxigênio, gente, carros e pessoas.



Falando em Mar, aqui no Brasil essa carta foi reinterpretada a partir desse parâmetro. A essa carta foi sincretizada Iemanjá, a Rainha do Mar, Mãe de todos os Orixás. A atribuição de Orixás às cartas é devera recente, frente à origem do oráculo (conta com pouco mais de duas décadas). Porém funciona. É o tipo de jogada que recomendo apenas para quem se identifica com as religiões afrobrasileiras. Mais sobre a forma cigana de jogar, aqui
Quando o Navio sai no jogo, é importante atentar-se para onde ele está indo. O caminho é seguro, mas lento; correto, mas inexorável. Sabe-se aonde se quer chegar e, a menos que hajam acidentes de percurso, não se mudará de ideia.


Aproveitando a postagem, gostaria de divulgar o projeto Under the Roses Lenormand. Um baralho suave, intenso, belíssimo. Está em andamento, você pode acompanhar a publicação das cartas aqui.




Vale a pena.
Abraços a todos.
Fonte das imagens: Rozamira Oracles

Para quem gostou do texto e mora no Rio de Janeiro, estarei dando um curso presencial entre os dias 6 e 7 de outubro de Petit Lenormand para o cotidiano. E, para quem gosta do que lê por aqui, o Conversas Cartomânticas virou livro, podendo ser adquirido aqui.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Para o entendimento da carta 15 do Petit Lenormand.


A carta 15, do Petit Lenormand, representa um Urso, relacionado ao dez de Paus, e seu poema (Lenormand Cartamundi, tradução livre) fala "Bem-estar e alegria é a mensagem com o urso está à vista; mas, diz ele, atente cuidadosamente para a inveja , malevolência e despeito." É tida por Katja Bastos e J. Dellamonica como a "pior carta do Tarô Cigano". Existe um dégradée interpretativo entre as ideias de alegria e bem estar até a inveja e olho gordo conforme interpretado aqui no Brasil. E é esse dégradée que buscarei abordar nesse texto. 


Do site Yahoo!:
Um campista foi dilacerado até a morte por um urso no Parque Nacional do Alasca, nos Estados Unidos, após tirar fotografias do animal, disse neste domingo o Serviço de Parques Nacionais desse estado.
A vítima, de San Diego, Califórnia, estava fotografando o animal a menos de 45 metros de distância - contrariando as diretrizes do Parque Nacional Denali - na sexta-feira, quando foi atacado.
"Três visitantes descobriram uma mochila abandonada (...) e depois viram evidências de uma luta violenta, com roupas rasgadas e sangue", disse Servilo de Parques sobre o ataque, o primeiro registrado na reserva do Alasca.
"As evidências iniciais indicam que o ataque aconteceu nas proximidades do rio Toklat e que depois o urso levou a vítima para um local mais afastado", disse o comunicado.
O animal foi capturado e morto no sábado, segundo o Alaska Dispatch, que cita como fonte o superintendente do Parque Nacional Denali, Paul Anderson.

Nós, brasileiros, conhecemos ursos a partir de circos e zoológicos, quando temos sorte, ou em filmes, ou, na pior das hipóteses (pelo menos no viés interpretativo do Petit Lenormand) apenas como seres fofos e peludos que pulam pelas campinas saídos de uma Nuvem Rosa oferecendo amor e carinho #UrsinhosCarinhosos. Nós não nos relacionamos com o animal. Ele não faz parte de nosso cotidiano. Não faz parte de nossa história, de nosso habitat. Parece pouco, mas isso causa efeitos em nossa interpretação. No texto anterior, falei sobre a ideia de conceito no Tarô ser o resultado da soma imagem + nome + número. No Petit Lenormand não é muito diferente. Aqui, a ideia é formada pela soma da figura + título (quando se aplica) + naipe


Ao invés de Urso, certos baralhos brasileiros de inspiração cigana chamam essa carta de Falsidades. O olho atrás dele não traz as ideias de observação e visão clara, próprias da sua simbologia. Aqui temos o olho gordo, a inveja, o despeito, o desejo de ver você na lama escondido atrás de um sorriso amarelo. E bem sabemos que o olho gordo pode até adoecer uma pessoa. Energias, energias. Mas, apesar de o olho nos ser familiar e garantir o acesso a parte do significado da carta, perceba que só por esse significado limita-se (e muito!) as perspectivas que ele pode oferecer.

Gatsu, protagonista do mangá Berserk

O espírito do Urso (e aqui tomo o termo no sentido de inspiração, de motivação, de exemplo muito mais que em energia transcendental identitária) motivou inclusive uma classe de guerreiros, os Berserk (tradução possível: "capa de urso", dado vestirem-se com peles do animal). Guerreiros que enlouqueciam religiosamente no calor do combate, a ponto de não ligarem para a dor e cometer atrocidades sem consciência e reflexão sobre o ato. Atualmente o termo indica fúria incontrolável, loucura assassina.

Só isso já me faz ver a carta com certa reserva. Mas tem mais.

O Urso pardo (Ursus arctos) "é um animal solitário, contudo sabe conviver pacificamente quando existe abundância de alimento." Ou seja, é um animal selvagem no melhor sentido do termo, o mais selvagem dos animais presentes no Petit Lenormand. Mas não é o mais perigoso.
Ele não vai procurar deliberadamente contato com os humanos. O contato será fortuito, a menos que ele esteja com fome e/ou o humano seja inconsequente demais para procurar por sua morte. Porque o resultado é esse ou uma fuga... Torço pela segunda opção.

Portanto, quando ver o Urso em uma jogada, lembre-se que seus influxos podem ser evitados. Não entre em seu território. Não invada seu espaço. Não altere sua rotina. Viva e deixe viver. Talvez esse seja o maior desafio diante dessa carta - é muito difícil respeitar limites quando estes são colocados no meio da jornada.
Como representante de uma personalidade (adjetivando as cartas 13, 28 e 29), o Urso indica um humor indócil, taciturno, casmurro, protetor e solitário. Conseguir o amor de uma pessoa assim é difícil, mas não impossível - e é um amor difícil de perder... 


...Mesmo que se queira. Ciúme, possessividade, por vezes levados às últimas consequências. Não é só em filmes que ouvimos a famigerada frase "se não for meu/minha, não será de mais ninguém", infelizmente. O Urso é um egoísta, no amplo sentido do termo. Tudo é dele, para ele, senão não interessa, senão não é bom e não vale a pena.


Existe também a possibilidade de correlacionar o Urso a subgrupo homônimo da cultura LGBT. Conforme a Wikipedia,
Urso em comunidades GLBT é uma referência metafórica ao animal do mesmo nome com notáveis características semelhantes. Essas características incluem seus pêlos, suas proporções, e seu perceptível poder masculino. O urso é gordo e poderoso, e da conciliação destas duas qualidades é o cerne do conceito de urso. É também não é coincidência que ursos são normalmente muito semelhantes à aparência do ideal do norte-americano de lenhador. Lenhadores frequentemente encontram ursos e os dois sempre foram associados entre si. 

Ainda que possível, é bom utilizar tal perspectiva hype com cuidado. É visível a correlação com a primeira parte do poema Cartamundi, por relacionar-se a um ideal de beleza - que traz bem-estar e alegria (fiquei MUITO TENTADO a colocar referência a um super-herói que tem essas características e inclusive foi lenhador no Canadá, só que não. Eu tenho amor à vida. Prefiro citar um texto e fiquem à vontade para pensar sobre isso.). Mas nada garante que  opressão faça parte do pacote. Aparência física não garante um humor belicoso... Ou garante?
Que possamos ver a carta 15 em seu devido lugar: longe, sem problemas; seu egoísmo e sua aversão à dependência (sua, não dos outros) lhe mantém seguro frente aos seus influxos. Perto... pode ser perto demais.
Abraços a todos.

domingo, 26 de agosto de 2012

Do poder das palavras.




Olá pessoal. Eu sempre me ative, aqui no Conversas Cartomânticas, às questões prementes à imagem. Cartomancia é imagem, é interpretação de imagens. É observação e educação do olhar ao que as imagens trazem.
Mas há que ser dito algo sobre a palavra. Porque, se bem refletirmos, de nada adianta uma imagem que não é entendida. Que não se faz inteligível. E, para entendermos e conversarmos sobre a imagem, demandamos... palavras. Aquelas mesmo que diz-se terem poder (para além do poder que de fato tem).
Senão, by the way, eu não teria um blog. Talvez um fotoblog. E ele falaria por si só. Mínimo esforço, máximo efeito.
Só que conversar, a proposta principal desse blog, demanda palavras. Várias. Vocabulário vasto ao gosto do freguês conversador. Só por isso já se justificaria falar sobre palavras. Mas aplicadas ao cotidiano do cartomante, ainda há o que dizer.
O conceito de uma carta se dá por alguns agrupamentos específicos que, combinados, e aplicados ao momento da consulta, geram efeitos, o que costumeiramente dá-se o nome de interpretação. Tão singulares que, ainda que sejam as mesmas imagens há séculos, de acordo com o oráculo utilizado, ainda se mantém contemporâneas – embora paradoxalmente vintage.
O primeiro agrupamento, e mais importante, é o das imagens. Delas haurimos o principal referencial interpretativo. Leonardo Da Vinci se vangloriava, com razão, de em uma tela colocar o que um poeta demandaria páginas e páginas para descrever. Observar uma tela do Bosch faz chegarmos à mesma conclusão. Uma imagem é captada com uma riqueza de detalhes simultâneos que chega a assustar... ou encantar. 
Há os números. Ordenam a série. São significáveis e interpretáveis. Mas, por alguma razão, suas ideias não são compartilhadas com unanimidade. Existem discrepâncias. E explicações que minimizam as discrepâncias. Mas elas ainda estão ali, e não tocaremos nelas por enquanto, e não esperamos consenso em momento algum quanto ao tema.
E existem os nomes. Ao contrário das imagens, que são universais – você pode até não entender o que significa uma imagem, mas esforçar-se-á para atribuir-lhe um significado – os nomes são oriundos de um idioma específico, que nem sempre é o que você possui (como as Runas, por exemplo, um alfabeto oráculo, ou o alfabeto hebraico, muito utilizado em algumas escolas de Tarologia). Mas ainda assim os idiomas são específicos em sua descrição. Uma cadeira não é uma carteira, a chair is not a hair. Rimam, mas não coadunam. São diferentes, são específicos. Ainda que sinônimos sejam de uma utilidade tremenda, quanto mais se conhece da linguagem, menos os usamos. Uma coisa é uma coisa, e não outra coisa que soaria como se fosse à primeira vista.
E, principalmente, os nomes são mnemônicos. A partir do nome, rememoramos a imagem. Se eu digo Monalisa, o quadro lhe virá à mente, instantaneamente. Você pode não ser capaz de descrevê-lo minuciosamente, mas saberá que não é, por exemplo, uma Madonna. A menos, claro que não o conheça; serei obrigado a descrevê-lo para continuarmos conversando. (By the way, já conversamos sobre a Monalisa aqui
Da mesma forma, se eu digo Mago, o Arcano I, com todos os atributos que você conhece, será lembrado com riqueza de detalhes. Se não os conhece, eu terei que fazer o trabalho dos livros de Tarô e dos professores da Arte – descrever suas minúcias e perspectivas interpretativas.
Para isso, as palavras são fundamentais. Evidente. E eu preciso, se quiser uma interpretação precisa, ser preciso. Três vezes “preciso” na mesma frase, três significados diferentes para uma mesma cacofonia. Sinônimos, por favor.
Por isso os livros de Tarô, e por isso não existe uma obra definitiva. Cada autor, a partir do mesmo conceito imagem + titulo + numeração irá fazer suas referências, tecer seus sinônimos, construir sua linha de raciocínio que busca uma coesão com o todo. Quando o Mago sair na jogada, ele será único. Não poderá ser confundido com o Diabo. Ainda que dialoguem (ambos de pé, ambos em suas respectivas tarefas). Nem com o Sol, ainda que 1; 19 = 1 + 9 = 10 = 1 + 0 = 1. 
Até mesmo nessa unicidade há o que dizer. Mesmo que saia duas, três, quatro vezes em uma mesma consulta, o Arcano acresce, não repete. Que palavras mais podem representar a mesma imagem em situação diversa, porém dialogante?
 Ler muito é fundamental nessa hora (e em todas as demais). Cada autor buscará descrever, a partir de sua vivência, experiência, estudos e vocabulário, aquilo que experimentou no trato com cada uma das cartas. E é do crescimento do nosso próprio vocabulário a partir dessa leitura é que seremos capazes de entender o que o Arcano quer dizer.
Espera-se, portanto, um mínimo domínio da linguagem para assim proceder. Ler Tarô é uma arte interpretativa. Não sei a que nível alçar escrever sobre Tarô. Um pouquinho mais alto, talvez. Porque para me levar a ver aquilo a que desejo Ver, o vocabulário tem que ser amplo, ainda que preciso. 
Parafraseando Gertrude Stein, uma rosa é uma rosa é uma rosa, mas não é Universo (Arcano XXI), nem Ramalhete (carta 09).
Deixemos de tautologia... E estudemos um pouco mais.
Palavras tem poder. Específico e intransferível.
Abraços a todos.


Não se esqueça: Estarei, entre os dias 6 e 7 de outubro, no Rio de Janeiro oferecendo um curso presencial de Petit Lenormand para o cotidiano. Vale a pena. E, caso goste do que lê por aqui, adquira o livro Conversas Cartomânticas: Da escolha do baralho ao encerramento da consulta

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Curso presencial no Rio de Janeiro: Petit Lenormand para o cotidiano


Para quem tiver a oportunidade no Rio de Janeiro, estarei no espaço Tribbo Consciência nos dias 6 e 7 de outubro oferecendo o curso Petit Lenormand para o cotidiano.

Ementa: O Petit Lenormand é um oráculo formado por trinta e seis cartas numeradas, com correspondência no baralho comum (Ás, seis a dez, Valete, Dama, Rei dos quatro naipes), dotado de uma imagem simbólica e, por vezes, de um poema. A partir dele, no Brasil, desenvolveu-se uma escola de interpretação e até mesmo imagens próprias que deram origem ao assim chamado Baralho Cigano.
Neste workshop o participante aprenderá a utilizar as cartas do Petit Lenormand com fins divinatórios. Serão traçados os caminhos históricos de desenvolvimento do baralho, as interpretações de cada uma das cartas, abordando a imagem, o naipe, sua numeração e seu poema, conforme a interpretação na Europa e no Brasil; também a Mesa Real, jogada ampla e precisa que utiliza todas as cartas do baralho; jogos menores de pergunta e resposta.
O curso tem a duração de 20 h/a divididas em dois módulos. O primeiro, teórico, aonde são apresentados em detalhes os significados concernentes a cada lâmina; o segundo, prático, onde se aplicarão os conceitos oriundos da primeira parte.
Emanuel J Santos é cartomante hereditário, historiador e técnico em conservação e restauro de bens culturais. Escritor independente, responsável pelo blog Conversas Cartomânticas. Trabalha com Petit Lenormand desde 2002, e pesquisa o caminho que essas cartas percorreram simbolicamente entre Europa e Brasil, sempre dentro do contexto da Cartomancia.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Livro Conversas Cartomânticas: da escolha do baralho ao encerramento da consulta


Olá pessoal. O que era só uma perspectiva três anos atrás, tornou-se uma realidade: o Conversas Cartomânticas virou livro!
Com o melhor publicado nesse tempo, organizado de forma a termos todo o processo de aquisição do baralho até o encerramento da consulta. As experiências, comentários, diálogos, a teoria e a prática da Cartomancia, conforme conversamos por aqui.
O livro pode ser adquirido em e-book ou em edição impressa.  Para adquiri-lo, clique no link abaixo:


Compre aqui o livro 'Conversas Cartomânticas'

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Carlos Ruas e Lenormand


Seguindo com nossa linha de interpretar textos e imagens à luz das cartas, vi essa tirinha do Carlos Ruas (903 - Sinceridades) e não tive como não postar.
Interpretação literal ou sugestiva? 
Abraços a todos.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Napoleão, cartomancia e estudos cartomânticos



Quinze de agosto de 1769. Nascia nessa data o Imperador Napoleão Bonaparte (Napoleone di Buonaparte, como córsego que era, filho de pais de ascendência nobre italiana). Lider político e militar do final da Revolução Francesa, sendo responsável por estabelecer a hegemonia francesa em diversos países europeus e sendo influente inclusive na história do Brasil - sua invasão a Portugal gerou a vinda da Família Real para o Rio de Janeiro em 1808, que mudou radicalmente os rumos da história do país. Não sei se teríamos os eventos posteriores relativos à independência e à proclamação da República com eficácia sem a presença da nobreza por aqui.
O curioso é que Napoleão, conforme consta, gostava de ter seu futuro lido, assim como sua primeira esposa, Josephine.
E sua leitora era nada mais, nada menos que Mlle. Lenormand.


São creditadas a Mlle Lenormand duas obras relativas a Napoleão: Um estudo quiromântico sobre a mão direita do imperador e o mais conhecido, o baralho com o qual consta que a sibila o atendia: Petit Lenormand. 

A obra quirofisiognômica é póstuma, dificultando corroborar sua autenticidade; no caso da segunda, sabemos ser impossível, já que o baralho foi desenvolvido muito tempo depois de Mlle Lenormand ter construído sua fama. É muito mais adequado ao período que Mlle Lenormand utilizasse um Petit Etteilla, ou mesmo a Cartomancia tradicional francesa, na qual Etteilla se baseou para construir seu método de leitura.


Mas hoje, tomaremos o Imperador como personagem da Cartomancia. Uma forma lúdica de apreendermos conceitos aplicáveis à prática.
...E se Napoleão fosse uma carta? E se o tomássemos por uma imagem arquetípica?


No Tarô, evidentemente, seria o Imperador. Podemos, inclusive, comparar uma obra de David a uma obra de Pamela Smith, pela similitude dos atributos utilizados na elaboração das respectivas imagens. E não poderia deixar de fora o Imperador do Lenormand Tarot.


No Petit Lenormand, seria o Cavaleiro. Rápido, sagaz, realizador, veloz, com pouca experiência na espera. Quem o venceu, de fato, não foram homens; foi o inverno russo... que ele não soube esperar passar.

Clique para ampliar

No Sibilla della Zingara, algumas cartas poderiam ser encadeadas em uma biografia imagética. Concentramo-nos no fim de sua vida, nesse caso.


Fica aqui a experiência de um exercício muito divertido, do qual experiências muito ricas emergem: tente contar uma história com as cartas. Busque não só significados, mas encadeamentos. Como poderiam ser lidos nas cartas os fatos já consumados? Como poderiam ter sido evitados? Na verdade, poderiam ter sido evitados? Se houveram atrasos e erros de percurso, como poderíamos adiantar os eventos? Qual teria sido o melhor caminho?
Conversaremos mais sobre isso adiante. 
Abraços a todos.

sábado, 4 de agosto de 2012

Biografia ou: da relação inversamente proporcional entre glamour e competência.

Olá pessoal. Vi, esses dias, no oceano de postagens do Facebook, uma pequena troça com alguns cartomantes com biografia semelhante à minha: Jogo Tarot desde os 13... e não tive professor de Tarot. Aprendi por aí com o mundo (Tum Dum Tss). O tom jocoso de uma frase como essa merece uma reflexão maior sobre o status do ensino-aprendizagem do Tarô no Brasil. Ainda temos alguns preconceitos e até mesmo um certo glamour no autodidatismo ou na hereditariedade que não são, no limite, interessantes para o crescimento e desenvolvimento da profissão.

Roda da Fortuna
Tarô das Bruxas (Ellen Cannon Reed)

A hereditariedade é, ainda hoje, um status desejado. Todos nós desejamos deixar nossa marca no mundo - alguns, destruindo, outros, construindo. Essa marca normalmente é deixada pela tarefa que desempenhamos, na maior parte das vezes profissionalmente. Em outras épocas, o ofício era tão importante que virava sobrenome: Taylor, Schumacher... Ainda que Elisabeth fosse uma atriz e Michael um piloto de Fórmula 1. Tradições se mantém ainda que não tenham mais o sentido original. 
E é aí que está. Nem sempre o que queremos passar encontra eco na alma daqueles que vem depois de nós, e não adianta dizer que filho de peixe, peixinho é porque nem sempre o mote funciona. A sociedade contemporânea ocidental carece de valores sólidos, por um lado, porque lutou pela sua liberdade de escolha e expressão, por outro. Toda ação gera uma reação.
E o oposto também é verdadeiro. Nem sempre o que queremos manter honra os nossos antepassados, ainda que tenha sido vivido por eles. Ninguém quer que seus sucessores tenham uma vida tão ou mais difícil que a que viveu. Buscam-se outras escolhas para os que vierem depois. 
E aí correlacionamos tudo isso com Cartomancia. Entre aqueles que pertencem e simpatizam com o meio, ser Cartomante hereditário soa como algo pomposo, glamouroso. Acreditem no que digo: não é. Você aprender com um parente é maravilhoso, sinceramente. Mas não acrescenta nem diminui nada na carga de estudos que temos que manter, ou no desenvolvimento das faculdades de leitura, notadamente a intuição. Essas coisas não vem por herança pura e simplesmente - habilidades tem que ser desenvolvidas, senão atrofiam. E isso é um esforço diário do estudante, não do mestre.
Eu aprendi Cartomancia com a minha avó. Mas engana-se quem acha que ela era uma Feiticeira-reencarnada-depois-de-anos-sendo-queimada-vida-após-vida-pela-Inquisição. Minha avó era uma mulher comum, com casa para arrumar, animais para cuidar, rosas (suas flores favoritas) e outras plantas para regar, ou seja, tinha bem mais o que fazer do que ficar explicando por horas a fio as possíveis combinações entre as cartas. Ela me ensinou o básico e disse: TREINE. 
Estou treinando até hoje. 


E, aproveitando o link, tem outro título por demais glamouroso, para além do que merece. Autodidata. Acho fantástico quem aprende um instrumento musical sozinho. Violão, quer coisa mais linda? Aprender sozinho é excelente em alguns aspectos. Você dá sentido a cada passo a partir da sua própria experiência. Por outro lado, o risco de desistir é muito grande, no meio do caminho, por não saber qual é o próximo passo. Existe também o risco de se contentar com pouco. Com aquilo que conseguiu sozinho, ainda que frente à necessidade sua conquista seja algo incipiente.
Eu sou tarólogo autodidata. Aprendi a lidar com os setenta e oito arcanos sozinho. Sozinho não; com os feedbacks de diversos clientes nesses onze anos de prática. Olha a palavrinha aí de novo: prática. Acrescente a ela muito estudo. Mas muito mesmo.
Não sou autodidata por opção. Não tem nada de glamouroso nisso. Eu sou autodidata porque não tinha dinheiro para comprar um baralho, que dirá para pagar um professor! Eu tinha quinze anos e não trabalhava, como aprender? Se eu não me virasse, jamais aprenderia qualquer coisa.
Comprei um baralho de segunda mão. Era um Jean Payen com os Arcanos Menores de outra edição marselhesa. Vinha com uma revista, que é boa, por incrível que pareça. Os textos são de fato muito bons. E dá-lhe estudar. E jogar. Na Biblioteca Pública encontrei mais alguns livros, mas eram sobre o Waite-Smith. Perae, mas o Sol não tem dois menininhos? Daonde apareceu esse cavalo? Cadê o outro menininho? Será que isso muda o significado? Será que esse livro serve para eu estudar? Será que funciona?
E assim eu estudei Tarot por uns bons três anos, entre atendimentos e literatura escassa. Hoje temos a Priscilla Lhacer para trazer com grande facilidade baralhos importados e raros para nós. Mas antes, devíamos nos contentar com as poucas edições que encontrávamos por aqui. Notadamente, do Tarô de Marselha e outros ligados à Escola Francesa.
E, claro, o Tarô Mitológico. Um baralho que fez escola no Brasil. Muitos de nós que começamos na década de noventa do século passado devemos a esta obra o estudo dos Arcanos Menores. Ainda bem.
Eu agradeço, enormemente, àqueles que confiaram em mim e inclusive me presentearam com baralhos e livros que eu não poderia ter obtido nessa época. Sem esse carinho, seria impossível que eu estudasse. Não por falta de vontade; era falta de obras, mesmo. 
Por outro lado, isso levou esse que vos fala a praticar muito. Olhar o Marseille Grimaud com olhos de primeira vez, sempre. Cada cor, cada forma, eram dissecadas ponto a ponto para que aquilo que o livro dizia fizesse sentido. Organizações das cartas estudadas à exaustão. Não haviam hierofanias ou desciam anjos para me contar segredos das cartas. Era só um olhar, e olhar era tudo.
Hoje, dado o esforço, dado o empenho, eu conheço minhas cartas o suficiente para saber que uma vida é pouco para conhecê-las. Eu não me ative ao posto de autodidata como um título, mas sim como um desafio. Creio que é assim que esse título deveria ser visto; não como um fim, mas como um meio, um caminho. Mais complicado de se trilhar, claro, mas ainda assim muito proveitoso.



Abençoado seja o momento em que vivemos. Em que temos um catálogo de obras muito legal e acessível a todos - se não a obra nova, temos a Estante Virtual para adquirir livros que já estão fora de catálogo. Temos acesso a uma miríade de baralhos, nacionais e importados. Se hoje eu tenho um Ancient Italian, meu baralho do coração, é porque a Nath trouxe para mim. Agora, é possível pedir para a Priscilla com pronta-entrega e competência. Hoje temos eventos que unem as pessoas em torno do ensino-aprendizagem: acabei de vir da Confraria Brasileira de Tarot e a Pietra e o Edu já organizaram outro seminário, desta vez de Tarô para Tarólogos. Quem estiver em São Paulo não pode perder.
As possibilidades se ampliam. Cursos se multiplicam, tanto presenciais quanto virtuais, com professores renomados. Que, inclusive, possivelmente passaram pelas mesmas dificuldades/desafios que aponto aqui.
Aproveitem as oportunidades que se delineiam na profissão. E esqueçam pequenos arroubos egoicos que permeiam a arte. Já são por demais démodé para merecerem atenção.
Abraços a todos.